Para aqueles que são amantes da natureza...

"Este cerrado é um pouco como o nosso povo brasileiro. Frágil e forte. As árvores tortas, às vezes raquíticas, guardam fortalezas desconhecidas. Suas raízes vão procurar nas profundezas do solo a sua sobrevivência, resistindo ao fogo, à seca e ao próprio homem. E ainda, como nosso povo, encontra forças para seguir em frente apesar de tudo e até por causa de tudo"

Newton de Castro


domingo, 10 de dezembro de 2017

Rio + 10


Realizada de 26 de agosto a 4 de setembro de 2002 em Joanesburgo, África do Sul, a Cúpula Mundial Sobre Desenvolvimento Sustentável foi a terceira conferência mundial promovida pela Organização das Nações Unidas para discutir os desafios ambientais do planeta. A conferência ficou conhecida como Rio + 10, uma vez que ocorreu dez anos após a Cúpula da Terra, em 1992, no Rio de Janeiro.
Compareceram a Joanesburgo cerca de 22 mil participantes de 193 países – 100 deles representados pelo seu Chefe de Estado ou de Governo. Delegados governamentais e de organizações intergovernamentais somavam 10 mil pessoas. Outras 8 mil vinham de organizações não-governamentais, grupos indígenas, representantes do comércio e da indústria, jovens, agricultores, cientistas e representantes sindicais. Havia também 4 mil jornalistas credenciados e, ainda, milhares de pessoas que compareceram aos eventos paralelos da conferência, todos concentrados durante dez dias para discutir a erradicação da pobreza, o desenvolvimento social e a proteção do meio ambiente.
Ás vésperas da Cúpula de Joanesburgo, o clima era bastante diferente. Constatava-se que os documentos assinados no Rio de Janeiro, tão estrondosamente celebrados, pouco alteraram a realidade. É o que revelam os dados da própria ONU publicados pouco antes do início da Conferência, no relatório intitulado “Desafios Globais, Oportunidades Globais”:

• Em 2002, 40% da população mundial enfrentava escassez de água. O relatório aponta que o consumo de água aumentou seis vezes no último século, o dobro do crescimento populacional no mesmo período. Enquanto a agricultura representava 70% do consumo de água no planeta naquele ano, 60% desse total eram desperdiçados devido a sistemas ineficientes de irrigação. Com isso, a ONU alertou que, se os padrões de consumo continuassem os mesmos, metade da população mundial (3,5 bilhões de pessoas) sofreria com a falta de água em 2025.

• Estima-se que 90 milhões de hectares de florestas foram destruídos na década de 1990 – uma área maior que o tamanho da Venezuela, representando 2,4% da área total de florestas do planeta. Com isso, 9% das espécies de árvores estavam ameaçadas à época da Cúpula de Joanesburgo.

• A cada ano, 3 milhões de pessoas morriam de doenças causadas pela poluição.

• A falta de saneamento básico vitimava 2,2 milhões de pessoas por ano.

• Embora os países ricos tenham se comprometido em Estocolmo a destinar 0,7% de seu Produto Interno Bruto anualmente para que os países pobres enfrentem os problemas da miséria e da degradação do meio ambiente, a ajuda concreta – que era, em média, de 0,36% do PIB em 1992 – caiu para 0,22% do PIB anual em 2002.

• A proporção de pessoas que ganhavam menos de US$ 1 por dia caiu de 29% para 23% da população mundial. No entanto, em números absolutos, ainda representavam mais de 1,2 bilhões de pessoas, 75% delas nas zonas rurais.

Ao desestimulante quadro ambiental, somava-se uma série de desastres ecológicos. No continente asiático, cientistas se viram atônitos diante de uma imensa camada de poeira que cobria com uma massa de 3 quilômetros de espessura a gigantesca área de 25 milhões de quilômetros quadrados, o que equivale a três vezes a área do Brasil. 
O fenômeno, resultado do acúmulo de um conjunto de gases poluentes e da queima de florestas, afetava drasticamente a saúde da população chinesa e paquistanesa, reduzia a produtividade agrícola em 15% e alterava intensamente regime climático e pluviométrico da região.
Diante desse cenário, uma reunião de todos os países para discutir o desenvolvimento sustentável poderia parecer bastante oportuna. No entanto, as dificuldades de se chegar a um consenso com relação a diversas questões durante o processo preparatório da Cúpula de Joanesburgo demonstravam a falta de vontade política dos países ricos em arcar com suas responsabilidades, espalhando o pessimismo entre os ambientalistas de todo o mundo.
A Rio + 10 produziu dois documentos oficiais, adotados pelos representantes dos 191 países presentes na conferência: a Declaração Política e o Plano de Implementação
O conteúdo desses documentos reflete as limitações do processo decisório vigente nas Conferências patrocinadas pelo sistema das Nações Unidas, baseado na necessidade de consenso e na igualdade de peso no voto de todas as nações. Os resultados, portanto, constituem o mínimo denominador comum entre as posições de todas as nações presentes à Conferência, não correspondendo às graves necessidades do planeta que requerem medidas mais drásticas e eficazes.
A Declaração Política, intitulada “O Compromisso de Joanesburgo sobre Desenvolvimento Sustentável”, possui 69 parágrafos divididos em seis partes. Como o nome indica, trata-se de documento que estabelece posições políticas, e não metas. Assim, reafirma princípios e acordos adotados na Estocolmo-72 e na Rio-92, pede o alívio da dívida externa dos países em desenvolvimento e o aumento da assistência financeira para os países pobres, além de reconhecer que os desequilíbrios e a má distribuição de renda, tanto entre países quanto dentro deles, estão no cerne do desenvolvimento insustentável. 
O texto admite ainda que os objetivos estabelecidos na Rio-92 não foram alcançados e conclama as Nações Unidas a instituir um mecanismo de acompanhamento das decisões tomadas na Cúpula de Joanesburgo.
                
O segundo e mais importante documento resultante da Cúpula é o Plano de Implementação, que possui dez capítulos e 148 parágrafos em cerca de 70 páginas. Seu mote é alcançar três objetivos supremos: a erradicação da pobreza, a mudança nos padrões insustentáveis de produção e consumo e a proteção dos recursos naturais. Um dos pontos mais relevantes do documento é o tratamento de temas antigos de uma forma que reflete a evolução no cenário internacional desde 1992. Destaca-se, assim, a seção sobre globalização, um tema que sequer era registrado na agenda política dez anos antes. Da mesma maneira, no que se refere à pobreza, o documento reconhece que o combate a ela implica em ações multidimensionais, que englobem questões desde o acesso à energia, água e saneamento, até a distribuição eqüitativa dos benefícios derivados do uso da diversidade biológica.
Abaixo estão as principais determinações e diretrizes do Plano de Implementação:

• Os países desenvolvidos comprometem-se a diminuir o abismo que os separa das nações em desenvolvimento por meio de ações de cooperação internacional que dêem ênfase às áreas de finanças, transferência de tecnologia, endividamento e comércio, além de incentivar a plena participação dos países em desenvolvimento nas decisões internacionais.

• A erradicação da pobreza é o maior desafio mundial. Até 2015, a proporção de pessoas com renda inferior a US$ 1 por dia deve ser reduzida pela metade, assim como a proporção de pessoas que passam fome, o que reafirma a meta estabelecida na Declaração do Milênio da ONU.

• O ano de 2015 também é o limite para que se reduza pela metade o número de pessoas sem acesso a água potável e segura (outra meta determinada na Declaração do Milênio ) e também sem acesso ao saneamento básico.

• Criação de um Fundo Mundial para a Erradicação da Pobreza e Promoção do Desenvolvimento Social e Humano nos Países em Desenvolvimento, sustentado com contribuições voluntárias.

• Aos países desenvolvidos, cabe enfrentar alguns dos principais problemas ambientais do planeta conforme o princípio das “responsabilidades comuns, mas diferenciadas”. Esse princípio – acordado em Estocolmo e reafirmado durante a Rio-92, voltou à pauta de discussões em 2002 devido à resistência de países ricos que se recusavam a aceitar a ideia nele contida de que, embora todas as nações compartilhem os mesmos objetivos e metas, elas apresentam diferentes capacidades e recursos para alcançá-los.

• Com senso de urgência, deve-se incrementar substancialmente o uso de fontes de energia renovável no consumo global de energia. A Iniciativa Brasileira de Energia , que propunha a meta de utilização de, no mínimo, 10% de fontes de energia renovável até 2010, foi derrotada em função da resistência dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos, além dos países membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo – OPEP (exceto a Venezuela).

• Recomenda-se a manutenção ou recuperação de áreas destinadas à pesca e a compensação das reservas pesqueiras mais afetadas até 2015.

• Até 2020 deve-se reduzir significativamente os efeitos nocivos de produtos químicos e do lixo tóxico sobre o meio ambiente e sobre a saúde humana, de acordo com o “princípio da precaução”, estabelecido na Rio-92.

• Os países que ratificaram o Protocolo de Kyoto urgem os demais a fazê-lo em curto espaço de tempo.

• Até 2010, promover o acesso de países em desenvolvimento a substâncias alternativas que não causem danos à camada de ozônio.

• Reconhece-se que a globalização faz com que persistam sérias crises econômicas, insegurança, exclusão e desigualdades entre as populações.

• As nações se comprometem a promover e aumentar o acesso eqüitativo a serviços de saúde, incluindo a prevenção em todos os níveis, serviços de imunização, tecnologia médica e, especialmente, medicamentos essenciais e seguros a preços acessíveis. Reafirma-se a decisão da Organização Mundial de Comércio de que seus membros não estão impedidos de tomar medidas visando a proteção da saúde pública e o acesso a medicamentos para todos. Com isso, o documento contorna a forte pressão de laboratórios farmacêuticos contra a quebra de patentes de seus produtos.

• Deve-se alcançar, até 2010, uma redução significativa da perda de biodiversidade. Estabelece a necessidade da elaboração de um sistema para promover a distribuição eqüitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos naturais. Dessa maneira, o novo sistema deve garantir que os países mais pobres – detentores de áreas com maior biodiversidade, a exemplo do Brasil – recebam parte dos lucros obtidos pelos países mais ricos por usar recursos advindos de seu território.

• Até 2015 os índices de mortalidade infantil e materna deverão ser reduzidos respectivamente para 2/3 e 3/4 dos índices apresentados em 2000.

• Enfatiza-se a redução em 25% da incidência do vírus HIV em pessoas de 15 a 24 anos até 2005 nos países mais afetados, e até 2010 em todo o planeta.

• Reafirmou-se a recomendação de que os países desenvolvidos apliquem 0,7% de seu Produto Interno Bruto em assistência a países em desenvolvimento. Cabe ressaltar que, no período de 1992 a 2002, os países ricos aplicaram apenas 0,22% de seu PIB em ajuda às nações em desenvolvimento, apesar do acordo firmado em Estocolmo, em 1972, e reafirmado na Rio-92.

• As dívidas externas dos países mais pobres e endividados deverão ser reduzidas por meio de alívio ou cancelamento dos débitos.

• Assegurar, até 2015, a educação primária para todas as crianças, meninos e meninas da mesma forma, habilitando-os a completar oito anos de educação fundamental. Fica também estabelecida para 2015 a eliminação de disparidades de gênero quanto a oportunidades educacionais.

• O documento oficializa o incentivo a iniciativas regionais que promovam o desenvolvimento sustentável centradas nos problemas específicos de cada região.

• O implementação da Agenda 21 e dos resultados da Cúpula de Joanesburgo.


É importante ressaltar que o propósito maior da Conferência de Joanesburgo não era, portanto, adotar novos compromissos, acordos ou convenções internacionais, mas sim fazer uma profunda avaliação dos avanços e dos obstáculos com que nos deparamos ao olharmos para os compromissos assumidos em 1992. 
Visava-se, então, identificar as razões pelas quais se avançou tão pouco na implementação desses compromissos e identificar medidas que pudessem ser tomadas com o objetivo de viabilizar a sua realização. Além disso, deve-se notar ainda que, desde 1992, os temas de aquecimento global e biodiversidade, são discutidos em fóruns específicos: a Convenção sobre Mudanças Climáticas e a Convenção sobre Diversidade Biológica . Portanto, as negociações em torno desses dois assuntos avançam separadamente, com encontros anuais dos países signatários. Assim, questões relacionadas, como o Protocolo de Kyoto, não faziam parte da pauta de Joanesburgo.


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